"De onde eu estava podia ver o casal na entrada da casa. A mulher estava chorando e gritando com o homem, que em pé, mantinha as mãos no bolso de um gorduroso avental. Dava para ver algumas tatuagens bem rústicas em seu braço - um típico sinal de quem já esteve na prisão.
Como estava indo na direção deles, ouvi mais claramente a mulher pedir que ele consertasse alguma coisa em seu carro, para que ela pudesse ir embora. A resposta dele foi uma sonora gargalhada!
Naquele momento, me aproximei. Ela, subitamente voltou-se para mim e perguntou se eu poderia ajudar o marido a consertar o carro. Outro policial se aproximou e nós separamos o casal para encontrar uma solução para o problema.
Comecei a conversar com o homem e este me disse que sua esposa estava tendo um caso e o estava abandonando. Perguntei se eles já haviam tentado algum aconselhamento, ao que respondeu que não estava interessado. Disse que a única coisa que queria naquele momento era pegar suas coisas que, segundo ele, ela havia escondido.
Falei, então, com a esposa sobre isso, ao que ela respondeu que só as devolveria se ele lhe desse um dos video-cassetes. Ela mencionou que só queria um dos 3 vídeos que o casal possuía. O outro policial dirigiu-se ao carro daquela esposa, levantou e capô e deu uma olhada para ver se havia algo que pudesse fazer. O marido então caminhou em sua direção, tirou um fio elétrico que faltava no carro e o entregou ao policial. Depois, disse à esposa que ela poderia ficar com o video-cassete se ela lhe devolvesse suas coisas (mais tarde fiquei sabendo
que as "coisas" eram drogas com as quais ele estava negociando).
Quando o esposa entrou na casa, vi duas menininhas paradas no batente da porta, assistindo ao drama que se transcorria na frente delas. Deveriam ter de 8 a 10 anos. Ambas usavam vestidos e carregavam bonecas de pano. Ao lado delas havia duas pequenas valises. Eu não conseguia afastar meus olhos daquela cena e da forma como elas observavam as 2 pessoas a quem mais amavam no mundo, separando-se.
A mulher saiu da casa com um video-cassete em seus braços e o colocou no banco de trás, que já estava lotado. Depois virou-se para o marido e lhe disse onde encontraria suas coisas. Ambos concordaram em dividir as outras coisas igualmente.
Então, foi quase sem acreditar que vi e ouvi o marido apontar para as meninas e dizer:
- Bem, com qual das duas você vai ficar??!
Sem aparentar qualquer emoção a mãe escolheu a mais velha. As meninas olharam uma para a outra e depois a irmã mais velha saiu de onde estava e entrou no carro. A menorzinha, ainda agarrando sua boneca de pano ao peito com uma das mãos e a malinha na outra, acompanhava com os olhos enquanto sua mãe e irmã se afastavam. Pude ver grossas lágrimas escorrendo em suas faces. O único "conforto" que ela recebeu foi uma ordem do pai para que entrasse, enquanto ele se dirigia a um grupo de amigos para conversar.
E ali estava eu... um impotente espectador diante da morte de uma família!" (David R. Johnson, do livro "The Light Behind The Stars").
Que história triste! Acredito que, se fizéssemos uma pesquisa dessa família desde o dia do "SIM" até o trágico evento daquela tarde, descobriríamos inúmeros fatores que a levaram àquela situação. É impossível não pensar que o isolamento e seu conseqüente resultado - solidão - tenham tomado conta do relacionamento do casal.
Sou conselheiro familiar e grande parte de meu trabalho é com casais que vivem nos grandes centros urbanos do Brasil. São locais de grande acesso de pessoas, porém, também são os maiores focos de solidão. Os casais moram sob o mesmo teto, fazem suas refeições à mesma mesa, sentam-se lado a lado no mesmo sofá, e dormem na mesma cama. Porém, há entre eles uma distância emocional, uma falta de intimidade e proximidade. Praticam o sexo mas sem amor. Conversam entre si, mas não se comunicam. Moram juntos, mas na realidade não vivem juntos.
E o mais triste sobre isso é o fato de que certo dia duas pessoas se achegaram uma à outra, com a proposta de juntas, procurarem "driblar" a solidão. E esse realmente foi um dos motivos pelos quais Deus criou a família. ("Não é bom que o homem esteja só"). Porém, pelo fato de muitos não conseguirem aplacar seu sentimento de solidão e nem o do cônjuge, muito pelo contrário, acrescentarem à sua história muitos outros problemas, chegaram a tal ponto de desespero que decidiram "dependurar as chuteiras". Sem conseguir sequer identificar as causas, utilizam como razão a famosa incompatibilidade (inabilidade de viver juntos em paz e harmonia). Em algum lugar, entre a noite de núpcias e a assinatura dos papéis de divórcio, fatores ocorreram causando essa inversão. A compatibilidade tornando-se incompatibilidade e, um dos fatores decisivos, foi certamente o isolamento e a solidão em que se encontravam.
Cada casal possui necessidades emocionais, intelectuais e espirituais, e muitas delas, Deus planejou que fossem supridas do contexto familiar. A alma do ser humano foi criada para viver em família, em comunhão, em amizade. Somos, por natureza, seres sociais. Ansiamos por intimidade e o casamento, é o lugar mais lógico dela ser encontrada e desenvolvida.
Quando um casal resolve se casar, raramente pensa nas necessidades um do outro e, ainda muito menos, em como supri-las. Quando o clima de encantamento se esvai e, ocorre de "alguém mais" entrar em cena, aparentando compreender e suprir as carências do "incompreendido (a)", aí dá-se a inversão do compatível em incompatível de um lado, e o oposto do outro, resultando na infidelidade. Algumas vezes esse(a) amante não é outro homem, ou mulher, mas um emprego, uma carreira, um projeto ou mesmo um hobby.
A leveza do relacionamento se torna em fardo enquanto o casal luta com as finanças, disciplina dos filhos, relacionamento com os sogros, relacionamento sexual, e muitas outras facetas. Enquanto os casais procuram tratar de cada uma dessas áreas, dependendo de como o fazem, o isolamento, como um vírus muito sutil, vai penetrando no relacionamento:
- Começa a sensação de que um cônjuge está se afastando do outro;
- Ambos trabalham fora em carreiras separadas e, pouco a pouco, passam a dar prioridade à própria realização profissional e às atividades pessoais, ao invés de cultivarem e cuidarem do relacionamento conjugal e familiar;
- Há recusa em tratar dos conflitos existentes, os quais poderiam ser resolvidos de forma satisfatória para cada um dos cônjuges;
- Surge o sentimento de incapacidade de agradar ou de atingir as expectativas do cônjuge;
- Brota a atitude de "quem se importa com isso? ", ou "não adianta tentar!";
- Existe a impressão de que seu cônjuge não aprecia ouví-la(o) e que não a(o) entende. Podem até existir palavras, mas elas são vazias, não correspondendo aos sentimentos.
Esses e ainda outros são sinais de que o cônjuge que os estiver sentindo e percebendo, deverá parar e fazer uma avaliação. Sinal de alerta!
- O que está acontecendo?
- O que podemos fazer para interromper este fluxo de desatenções que está nos cobrindo, antes que o mesmo nos sufoque?
Nesse ponto, podemos parar, avaliar nossos sentimentos e, transformar o "vilão" em "mocinho". A palavra solidão geralmente suscita sentimentos negativos. Porém, podemos transformá-la em algo positivo.
Tenho aprendido com meus momentos de solidão. Apesar de ter uma esposa maravilhosa, viajo muito para dar meus cursos e, muitas vezes me sinto só. Nesses momentos, minha alma anseia a intimidade de estar com alguém próximo, com quem compartilhar minhas lutas e alegrias. E esse desejo de intimidade, geralmente me leva a buscar mais ansiosamente o meu Deus. Davi já passava por isso. Veja o Salmo 63 .1: "Ó Deus, tu és o meu Deus forte, eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo de almeja, numa terra árida, exausta, sem água." E o salmo 42.1-2: "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo..."
Esses momentos de anseio de intimidade devem, primeiramente, ser supridos com nosso relacionamento pessoal com Deus. Ele merece o primeiro lugar em nossas vidas. Após corrermos para Deus para saciarmos nossa sede n'Ele, é tempo de procurarmos avaliar e trabalhar nosso casamento. Somos seres sociáveis que precisam bem relacionar-se com o próximo. Nossa família deve ser o que temos de mais próximo, depois de Deus. E, por isso mesmo, é onde o inimigo quer implantar a solidão destrutiva. Deixe-me compartilhar algumas sugestões que têm me ajudado.
1. Reconhecimento da ação do inimigo - Jesus disse: "O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância." João 10.10. É absolutamente essencial que nos conscientizemos da batalha espiritual. Sua tática é destruir as boas idéias de Deus, e a família é um de seus alvos prediletos. Coloque sua família sob a total armadura de Deus - Ef 6.10-17.
2. Conscientização de que o seu Deus está torcendo por você - Visto que a família foi criada por Deus, Ele é o maior interessado em preservá-la. Corra a Ele quando sentir-se intimidado, frustrado, sozinho, ou mesmo quando estiver em ponto de desespero. Ele não o decepcionará!
3. Cuidado com as expectativas irreais - O relacionamento que se baseia em desempenho, que funciona nas bases de mérito, tem sua motivação com base nos sentimentos. A tendência humana é prestar mais atenção às fraquezas do que às virtudes e isso ocorre, particularmente, em relação aos cônjuges.
4. Compreensão dos papéis definidos tanto do marido quanto da esposa - De forma geral, o papel do marido é proporcionar à esposa um clima de liderança amorosa e o suprimento de suas necessidades emocionais através do amor, cuidado e de uma boa comunicação com ela. Esposa, cabe a você reagir positivamente à liderança dele, seguindo-o. Isso significa respeitá-lo e admirá-lo. Isso implica em ser amiga e amante. Gostaria de desafiar tanto o marido quanto à esposa, para que ambos leiam as passagens de Efésios 5.22-33 e 1 Pedro 3.1-7, e que perante Deus, clamem que o Espírito Santo torne realidade aquelas atuações no dia-a-dia de cada um.
5. Tornando-se seus próprios "amantes" - A preocupação em agradar o outro sexualmente, implica em negar-se a si mesmo e procurar diligentemente aprender quais são os sonhos e necessidades do cônjuge, fazendo o possível para supri-las. Isso implica em um investimento, de forma a cultivar desde palavras à pequenos gestos, com significados apenas conhecidos por ambos.
6. Conflito criado, conflito tratado - Será sempre necessária uma comunicação honesta para tratar os conflitos que surgirem. Isso significa que deverá existir uma confrontação em amor, quando surgirem atitudes ou comportamentos errados ou mesmo inadequados. Por outro lado, também deverá haver um espírito tolerante perante os desacordos, tendo em vista uma negociação. Também os diferentes maneirismos, formas de fazer as coisas e diferenças de opinião, devem ser respeitadas. Os cônjuges devem se comprometer cem por cento com a Palavra de Deus no que se refere às decisões a serem tomadas, atitudes e ações. Um espírito de humildade deve permear o relacionamento.
7. Compromisso integral - Tenho, ao longo de nossos 30 anos de casados, dito muitas vezes à minha esposa Judith que uma das melhores coisas da vida é poder envelhecer ao lado dela. Separação e divórcio são palavras que não existem em nosso vocabulário. Quando sofrimentos, tribulações, conflitos e dificuldades sobrevêm ao nosso casamento, à nossa família, nós os enfrentamos com a graça e o poder de Deus. Juntos, temos atravessado várias adversidades. Esse tipo de compromisso ajuda a construirmos bases de unidade e intimidade.
Queridos, creio que pior do que a solidão física, é a emocional. O isolamento de alma abate e atrofia o ser humano. Que Deus possibilite a conscientização de que podemos aproveitar o tempo em que temos uma família ao redor, para nos achegarmos e desenvolvermos relacionamentos profundos e significativos. E, que nossos momentos de solidão sirvam para nos aproximarmos de Deus e desenvolvermos um relacionamento de intimidade com Ele.
"A intimidade do Senhor é para aqueles que O temem, aos quais Ele dará a conhecer a Sua aliança". Sl 25.14
Pr. Jaime Kemp
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