terça-feira, 5 de março de 2013

Evangelho de Mateus, capítulo 19, sob duas traduções diferentes


O NOVO TESTAMENTO DE NOSSO SENHOR E REDEMPTOR JESU CHRISTO,

Traduzido em Portuguez pelo Padre João Ferreira A. D′Almeida,
Ministro Pregador do Sancto Evangelho em Batavia
Londres: Impresso na Officina de R. E A. Taylor 1819
 S. MATTHEUS, Cap. XIX.

 E Aconteceo que, acabando Jesus estas palavras, passouse de Galilea, e veyo a os termos de Judea, d′além do Jordaõ.

2 E o seguirão muytas companhas, e curou os ali.

3 Entonces chegarão se a elle os Phariseos, atentando o, e dizendolhe: He licito a o homem despedir a sua mulher, por qualquer causa?

4 Porem respondendo elle, disselhes: Naõ tendes, que o que os fez a o principio, macho e fêmea os fez?

5 E disse: Portanto deixará o homem pae e mae, e achegar-se-há a sua mulher, e saraõ os dous em huã carne.

6 Assi que não são mais dous, senão huã carne: por tanto o que Deus ajuntou, não o aparte o homem.

7 Disseram lhe elles: Porque mandou Moyses dar lhe carta de desquite, e deixá-la?

8 Disse lhes elle: Pola dureza de vossos coraçoens vos permitio Moyses deixar a vossas mulheres: mas a o principio não foy assi.

9 Porem eu vos digo, Que qualquer que deixar a sua mulher, salvo por causa de fornicaçaõ, e com outra se casar, adultéra: o que com a deixada se casar, também adultéra.

10 Disseram lhe seus discípulos: se assi He o negocio do homem com a mulher, não comvem casar se.

11 Porem elle lhes disse: Naõ todos compreendem esta palavra, senão aquelles a quem He dado.

Acima consta a transcrição exata e fiel da tradução da passagem do livro de Mateus, capítulo 19, versículos 1 ao 11, de uma Bíblia do ano de 1819. Já se passaram 194 anos (se não errei a conta) dessa referida tradução, uma das mais antigas em Português arcaico.

Ela foi feita pelo maior tradutor (do espanhol para o Português) já visto, a época Padre, anos mais tarde convertido ao Protestantismo, o senhor português João Ferreira de Almeida.

A passagem bíblica, presente no Evangelho de Mateus, é uma das mais importantes e polêmicas das Sagradas Escrituras, porque trata de um assunto fundamental para o povo cristão: o casamento.

Em nossos dias, infelizmente, há um grupo de líderes protestantes defensores do divórcio e do recasamento, os quais usam o versículo 9, do capítulo 19, especificamente a suposta cláusula de exceção, onde Jesus, repito, supostamente, teria dito que em caso de adultério a pessoa divorciada estaria livre para se casar novamente com uma nova pessoa.

Para esclarecer de uma vez por todas essa grande polêmica, vamos comparar abaixo dois versículos, os quais considero áureos no embate entre divorcistas e antidivorcistas: os versículos 7 e 9. Primeiramente vamos transcrever fielmente os versículos da Bíblia de 1819 e, logo abaixo, anotar os mesmos textos da Bíblia Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH).

7 Disseram lhe elles: Porque mandou Moyses dar lhe carta de desquite, e deixá-la? (Bíblia de 1819).

7 Os fariseus perguntaram: – Nesse caso, por que é que Moisés permitiu ao homem mandar a sua esposa embora se der a ela um documento de divórcio? (NTLH).

9 Porem eu vos digo, Que qualquer que deixar a sua mulher, salvo por causa de fornicaçaõ, e com outra se casar, adultéra: o que com a deixada se casar, também adultéra. (Bíblia de 1819).

9 Portanto, eu afirmo a vocês o seguinte: o homem que mandar a sua esposa embora, a não ser em caso de adultério, se tornará adúltero se casar com outra mulher. (NTLH).

No versículo 7 da tradução de 1819, a pergunta é feita pelos fariseus a Jesus com o verbo mandar. Eles queriam persuadir Jesus a acreditar que a norma deles sobre casamento, repúdio e recasamento se baseava em uma ordem de Moisés, o qual, para os guardadores da lei antiga, era um homem, cuja palavra tinha o mesmo valor da Palavra de Deus. Quem manda dá uma ordem, baseada em uma vontade interior. Ou seja, segundo os judeus, se Moisés mandou foi porque essa era a vontade dele e, por conseguinte, a vontade de Deus. O fato é que Jesus no versículo seguinte corrige, conserta esse erro proposital dos fariseus, afirmando que Moisés nunca mandou que eles cometessem tal absurdo, mas permitiu a existência dele, por causa da dureza dos seus corações. Completando o versículo aparece que “Moyses mandou dar lhe carta de desquite, e deixá-la?”. A expressão carta de desquite foi traduzida como o termo em voga no Brasil do início do século XIX. A mesma expressão, na língua grega dos originais, significa carta de repúdio, um documento permissivo dado por Moisés nos primeiros tempos bíblicos. No Brasil do início do século XIX, essa carta, tal qual como era nos tempos de Moisés, simplesmente não existia. O tradutor João Almeida, então, vendo-se sem saída e sem saber qual expressão mais se adequaria à expressão original, buscou no sentido do documento de desquite, muito comum no Brasil da época, a tradução mais adequada para a carta de repúdio antiga. O desquite era um documento civil em que um cônjuge, vendo o seu casamento sem chances de reconciliação, buscava como forma de se proteger perante a Lei. Mas esse documento, amparado nas leis do Governo regencial português, sob a égide de D. João VI, não permita que o cônjuge, separado de corpo da sua esposa, viesse a se casar pela segunda vez com outra pessoa. A época de Moisés, os judeus comumente abusavam da prática de repudiar as mulheres de sua mocidade e se juntarem sexualmente com outras. A esposa repudiada sofria forte retaliação e preconceitos sociais. Daí como forma de proteger essa esposa repudiada, de amenizar o seu sofrimento social, Moisés permitiu que os judeus entregassem nas mãos de suas esposas repudiadas a tal carta, escrita de próprio punho pelos judeus. A carta, assim como o documento de desquite, não dava o direito legítimo e legal de o repudiador se casar pela segunda vez com quem quisesse. Os judeus cometiam tal ato por desobediência, por terem um coração muito duro, por não atentarem para o projeto inicial de Deus para o casamento.

A estrutura frasal do versículo 7 da NTLH é bem diferente em relação à tradução de 1819. Na NTLH, o versículo começa perguntando “por que é que Moisés permitiu que o homem mandasse a sua esposa embora…”. Ora, aparecem aqui dois grandes problemas. O primeiro é que, como já disse anteriormente, o verbo correto não é permitir, mas mandar, segundo o que foi dito pela boca dos fariseus. Depois que o marido judeu não mandava a sua esposa embora de casa, mas ele que abandonava o ambiente familiar. Quem se retirava era ele para viver a vida que melhor lhe satisfizesse. No final do versículo consta a expressão “documento de divórcio”. Ora, a origem do instrumento civil do divórcio, no mundo, remonta para os tempos da Revolução Protestante; e, no Brasil, em 24 de dezembro de 1977. O histórico do divórcio apresenta três períodos, ou três fases: 1) não dava o direito ao divorciado de contrair nenhum segundo casamento civil, por pressão dos segmentos religiosos, especialmente católicos e protestantes, facultando ao mesmo apenas o direito de viver sozinho (é claro que muitos burlavam a lei e viviam na prática do adultério às escondidas); 2) dava o direito aos divorciados a se casarem apenas mais uma vez com uma nova pessoa. Uma terceira união já era considerada adultério e fora da lei; 3) a partir da Constituição de 1988, o divorciado passou a ter o direito legal de se divorciar e se casar quantas vezes achasse necessário; o casamento perdeu o caráter indissolúvel e o adultério passou a ser considerado restritamente quando um cônjuge, ainda no convívio familiar, sem estar separado de corpo, traía a sua companheira. Dentro da natureza conceitual e de época, carta de repúdio, documento de desquite e documento de divórcio, são três instrumentos com finalidades totalmente diferentes. Traduzir repúdio para desquite e, depois, para divórcio, é uma agressão à Palavra de DEUS.

As profundas diferenças entre os versículos 9 da Bíblia de 1819 e a NTLH estão essencialmente na suposta cláusula de exceção e ao final do texto. Na primeira, e em todas as Bíblias inspiradas nos textos originais, aparece o termo FORNICAÇÃO (do grego porneia). Na NTLH consta a palavra adultério (do grego moichea) (“a não ser em caso de adultério”). Alguns teólogos e tradutores viram em porneia o mesmo significado para adultério, ainda que a língua grega apresentasse um vocábulo específico para essa palavra. Ao conversar com uma brasileira residente na Grécia há muito tempo, ela me respondeu que ninguém lá, usuário do grego, trata porneia como sendo adultério. Pelo visto, essa foi mais uma invenção dos que queriam consolar o ego daqueles que desejavam se desfazer do casamento e viver uma nova realidade sexual. Daí disseram algo como se Jesus tivesse dito, traduziram à maneira que quiseram, o que, na verdade, ELE não disse, não concorda nem autoriza. A calamidade social e familiar dentro dos templos se dá exatamente por conta dessa interpretação puramente humana, carnal, diabólica, que tem dividido teólogos e cristãos do mundo inteiro. E essa não é uma questão que deve ser sublimada, diminuída ou ignorada. O fato de uma pessoa estar em segundo casamento civil, mantendo relação sexual com uma pessoa cujo corpo não lhe pertence por direito divino, compromete a salvação de sua alma, se essa pessoa morrer sem tempo de arrependimento e abandono do pecado. O apóstolo Paulo escreveu que todos que morrerem na prática do adultério não herdarão o reino de DEUS (1 Coríntios 6:9-10).

Além dessa diferença, na Bíblia de 1819, consta ainda uma advertência de JESUS para a mulher que foi repudiada pelo marido: nenhum outro homem poderia se aproximar dela com interesse de um novo casamento, porque ambos, aos olhos do SENHOR, se tornariam adúlteros. A NTLH simplesmente ignora essa passagem (também presente em Lucas 16:18). Ora, se JESUS afirmou que ninguém poderia mais se juntar sexualmente com a esposa que fora repudiada pelo marido (a princípio, vítima da situação), como ELE autorizaria o segundo casamento do marido que a traiu e a trocou por outra mulher? Isso se constituiria uma grave injustiça cometida pelo Filho de DEUS. E se ELE liberasse apenas a vítima da traição a um novo casamento, da mesma maneira estaria fechando as portas do perdão e do arrependimento (e por conseguinte da salvação) àquele (a) que, algum dia, cometeu adultério. Assim, a passagem em que ele perdoa uma mulher flagrada em adultério e prestes a ser apedrejada pelos fariseus não passaria de pura ficção aos nossos olhos.

O fato é que as lideranças divorcistas protestantes de hoje sequer cumprem o que, supostamente, fora dito por JESUS (liberando apenas a parte inocente, traída para um novo casamento). O que vemos são os repudiadores dos lares se divorciando de suas esposas e contraindo novos matrimônios com novas mulheres, frequentando cultos e participando da Santa Ceia com a adúltera, tudo muito normal e aceitável. Para os incautos, a prerrogativa do divórcio desfaz o casamento que DEUS criou e testemunhou.

A verdade (e ela só se estabelecerá no coração de quem tem o Espírito de DEUS, daquele que é chamado para ser santo) é que o SENHOR criou o casamento e testemunhou apenas a união carnal de duas pessoas que antes eram solteiras, de sexo diferente, para só ser desfeito apenas quando um dos cônjuges vier a falecer. Qualquer relação sexual fora desse projeto divino, ainda que os cônjuges estejam separados judicialmente ou mesmo divorciados, constitui-se em adultério. Mas como o mesmo JESUS disse que nem a todos seria revelado o conceito do casamento, cremos que apenas os justos, os escolhidos, receberão a divina revelação e obedecerão, porque a glória de DEUS não está reservada para todos, mas só para os que prosseguirem em santidade e obediência até o fim da existência aqui na terra. Ora vem, Senhor JESUS!

FERNANDO CÉSAR

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