A Visão de Deus Diante de um Casamento Infeliz
O número de casamentos infelizes está crescendo a passos alarmantes! O número de divórcios reflete isso. Nos Estados Unidos, pesquisadores, como Barna, indicam que a porcentagem de divórcios entre os que se chamam evangélicos é igual a da população de forma geral. Uma pesquisa Gallup indicou que 10% dos protestantes e 10% dos católicos são divorciados e que 26% dos protestantes e 23% dos católicos já foram divorciados em algum momento. Mais de um milhão de crianças, nos Estados Unidos, sofrem o divórcio de seus pais a cada ano e mais de 50% das que nascerão este ano experimentarão o divórcio de seus pais antes de completarem 18 anos.
Será que o Brasil seguirá esse rumo? Será que as igrejas evangélicas andarão nesse caminho? Afirmamos categoricamente que Deus ama os divorciados, que a igreja deve ser um lugar seguro para eles, oferecer esperança e um contexto apropriado para restaurar suas vidas. Ao mesmo tempo, se a igreja reflete a sociedade de forma geral quanto ao número de seus membros que procuram o divórcio, temos que admitir que o evangelho perdeu seu poder. A igreja precisa ser um lugar seguro não apenas para divorciados, mas também para os que acreditam no casamento e estão dispostos a lutar por um casamento saudável.
Por que o casamento é tão importante para Deus? Por que Ele insiste “que o que Deus uniu, ninguém separe” (Mt 19.6)? Os propósitos de Deus para o casamento incluem:
Revelar a imagem e semelhança d’Ele e os Seus propósitos em nos criar, abrindo um espaço para experimentarmos a comunhão que Ele tem na Trindade (Gn 1.26, 27).
Resolver a solidão que aflige o homem desde antes da queda (Gn 2.18).
Dar a cada pessoa a oportunidade de formar uma nova família, principalmente para aquele cuja família de origem era disfuncional (Gn 2.24; Mt 19.5, 6; Ef 5.31).
Celebrar, no ato sexual, uma intimidade não apenas física, mas emocional e espiritual. Deus faz questão que esse ato expresse verdadeiro amor, pureza e aliança (pacto), reservando-o, por essa razão, para o casamento (Gn 2.24).
Dar-nos alguém com quem podemos ser transparentes, autênticos, sem experimentar vergonha (Gn 2.25). O desejo d’Ele é que possamos amar e ser amados sem medo, porque o verdadeiro amor expulsa o medo (1 Jo 4.18).
Revelar a grandeza do amor de Cristo por nós como sua Noiva, a Igreja (Ef 5.22-32). A história, de Gênesis a Apocalipse, enfatiza o amor de Jesus por sua Noiva e nós recebemos o privilégio de ser um espelho desse amor. Sua aliança, Sua fidelidade e Seus propósitos eternos revelam-se no casamento.
Dessa forma, não devemos ficar surpresos ao saber que Satanás empenha todos os seus esforços para acabar com casamentos saudáveis, prejudicando a muitos, tornando essa união numa relação intensamente infeliz para muitas pessoas. Se Deus, por Sua vez, não fizesse um compromisso de aliança conosco no casamento, não teríamos chances de nos aproximar dos Seus propósitos eternos. Um casamento saudável é realmente glorioso! E um infeliz, pode tornar-se num inferno, destruindo não apenas o casal, mas a família, e espalhando essa herança negativa às gerações seguintes.
Trabalhamos com restauração de vidas há alguns anos. Deus nos permitiu fundar o ministério Lar, Doce Lar. Aprendemos que as dores das pessoas são reais e devem ser levadas à sério para que sejam restauradas. Empatia, chorar com os que choram e ajudá-los a desabafar, a liberar a dor e a experimentar Jesus levando essa dor sobre si são partes fundamentais na restauração de pessoas feridas. Ao mesmo tempo, precisamos entender bem os propósitos de Deus no sofrimento e não nos enganarmos em pensar que a felicidade das pessoas é o supremo alvo da vida ou de nosso ministério.
Tenho conversado com muitas pessoas crentes que experimentam diversos graus de abuso emocional em seus casamentos. Dizem não agüentar mais. Querem, de qualquer forma, algum escape, alguma saída. Isso é preocupante, pois cada um que se divorcia acaba influenciando outros e, se continuar assim, haverá uma epidemia de divórcio na igreja. Mas algo é ainda mais inquietante: perdemos a visão de Deus para o casamento e não acreditamos quando Ele comunica claramente Seu coração quanto a como agir em casamentos infelizes. A Bíblia traduz o coração d’Ele nesse sentido em quatro passagens, com os seguintes temas:
Mal 2.10, 13-17 – Deus odeia o divórcio e a violência.
Mt 19.3-12 – Não devemos nos divorciar a não ser no caso de adultério.
1 Co 7.1-17 – Bases bíblicas para o divórcio e novo casamento da parte dos crentes.
1 Pe 3.1-9 – Como tratar um cônjuge descrente.
Quando peço que pessoas infelizes leiam esses textos para ouvir a Deus sobre sua situação, muitas simplesmente desprezam a perspectiva bíblica e continuam focalizando a sua dor, seu sofrimento, sua infelicidade.
O mundo, a carne e o diabo juntam-se para nos convencer de que nossa felicidade é o que deve nortear nossas vidas. Esta crença, e os espíritos atrás dela, enganam o mundo e querem enganar os santos. A teoria do humanismo exalta o ser humano como um deus, ele é o mais importante. O espírito do individualismo exalta o indivíduo e sua realização pessoal. O hedonismo exalta o prazer e o “direito” de orientar a vida pela busca a qualquer preço da felicidade.
Muitas pessoas que sofrem em seus casamentos estão desnorteadas; focalizam mais sua dor que Cristo; preocupam-se mais com seu sofrimento do que em serem fiéis a Ele. Em parte é compreensível, porque quem sofre muito tende a perder a perspectiva sã e equilibrada. O problema aprofunda-se quando os pastores destas pessoas se perdem na dor delas também, apoiando-as na procura de sua felicidade através do divórcio. Essa procura da felicidade perde totalmente de vista as palavras de Jesus, quando disse: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Quem acha a sua vida a perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará” (Mt 10.38, 39).
Precisamos lembrar que o sofrimento é parte natural do chamado cristão. Somos bem-aventurados quando insultados, perseguidos e caluniados por causa de Jesus (Mt 5.11). Paulo considerou tudo como lixo, como perda, como esterco para poder realmente conhecer a Cristo. Ele resume sua visão, dizendo: “Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte” (Fp 3.10). Deus e a Bíblia lidam seriamente com o assunto do sofrimento. Um livro inteiro da Bíblia é dedicado ao sofrimento injusto (Jó), os Salmos expressam com muita honestidade a dor e sofrimento do salmista; 1 Pedro foi escrito especificamente para crentes que sofrem nas mais diversas situações (na sociedade, no emprego e no casamento). Pedro ressalta que Jesus é nosso exemplo de como enfrentar o sofrimento e que devemos andar em Seus passos (1 Pe 2.21).
Todos sofremos, crentes e não-crentes, doenças, problemas financeiros, morte de alguém querido, assalto, casamento difícil… Como o cristão responde a esse sofrimento pode ou não refletir a glória de Deus e o exemplo de nosso Senhor e Salvador. Caráter forma-se na fornalha. Paulo considera que “os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada” (Rm 8.18). Conheço poucas pessoas que têm sofrido fisicamente tanto quanto minha filha, Karis, que, com uma doença crônica, passou grande parte de sua vida com dor, internada em hospitais e diversas vezes desenganada pelos médicos. Mas a glória de Deus que vejo nela me emociona. Quem sofre no casamento tem um convite para esse caminho de glória. Há também a opção de fugir desse caminho estreito, trocando a glória de Deus por sua própria felicidade.
Lembremos: felicidade e alegria não são sinônimos. Felicidade é circunstancial, afetada por muitas coisas, como desemprego, dor, conflitos e adversidade. Alegria é um fruto contínuo do Espírito (Gl 5.22, 23) e uma expressão fundamental do reino de Deus (Rm 14.7). Saber a diferença e viver nessa alegria não é algo automático; é um aprendizado. Paulo aprendeu a adaptar-se e contentar-se em “toda e qualquer circunstância” através da graça de Deus que o fortalecia (Fp 4.11-13). Deus quer que tenhamos uma alegria que não dependa do nosso cônjuge. Este não tem o poder de dominar nossos sentimentos. Nós mesmos é que escolhemos e somos responsáveis por nossas escolhas. Quando deixamos o nosso cônjuge ter um poder indevido sobre nós, permitimos um tipo de idolatria em nossas vidas que gera uma série de seqüelas, não só para nós, mas também para nossos filhos.
Isso significa que Deus não se importa com nosso sofrimento, que Ele não dá ouvidos ao nosso clamor? De maneira alguma! As Escrituras nos falam constantemente do amor, da misericórdia e da compaixão de Deus. É exatamente por causa do Seu imenso amor que Ele não permite que adotemos práticas que irão nos prejudicar ainda mais. A pergunta mais pertinente é se nósconfiamos o suficiente n’Ele para acreditar que os Seus mandamentos existem para nosso maior bem-estar, e que o caminho da obediência é o caminho de bênção para nós e para nossos filhos.
Vejamos, rapidamente, o intuito das passagens que falam da visão divina sobre como agirmos em casamentos infelizes. Iniciemos por 1 Coríntios 7, que fala especificamente a pessoas crentes casadas com descrentes. Aqui, Deus chama o cônjuge cristão a olhar para o casamento à luz da eternidade. O alvo não é ser realizado, alegre ou sentir-se bem. O alvo é a salvação do cônjuge e a santificação dos filhos. Se o cristão procura o divórcio quando o cônjuge não quer isso, o não-crente terá bastante razão para sentir-se ferido, magoado e amargurado não apenas com o cônjuge, mas também com o Deus dele (e com a igreja que apóia o divórcio, se for o caso).
Quanto aos filhos, alguém pode até achar que eles viverão muito melhor longe do cônjuge não-crente. Com certeza, se houver violência no lar, uma separação temporária seria indicada. Mas os efeitos negativos do divórcio nos filhos são bem documentados. Também existe um impacto sério no mundo espiritual. Quando Paulo fala que o cristão deve ficar casado para que os filhos sejam santificados (1 Co 7.14), eu entendo que quando um cristão honra a aliança de casamento, obedece a Deus e se comporta com fidelidade e amor num contexto difícil, os filhos ganham uma herança espiritual abençoada que de outra forma não poderiam adquirir. Se houver a quebra da aliança, o afastamento dos planos de Deus, a procura de sua própria felicidade acima de qualquer coisa, também será transmitida uma herança no mundo espiritual para as crianças, porém, amaldiçoada.
Meus pais e sogros tiveram casamentos bem difíceis. Sofreram muito. Mas a herança que eu tenho e a visão que tenho do casamento, de que ele permanece “até que a morte os separe”, fortalece-me tremendamente nos momentos que eu também lido com dificuldades. Passar esse legado para meus filhos é muito maior do que qualquer dinheiro ou posses que poderíamos deixar. Não apenas meus filhos, mas a igreja inteira e o mundo, com todo seu desespero, ganham confiança e esperança de que um casamento saudável é possível. Essa herança alcançará pessoas e gerações muito além da minha família.
1 Coríntios 7 mostra-nos que existe um padrão de comportamento mais elevado para o crente do que para o não-crente. O não-crente não conhece Jesus, não tem o poder do Espírito Santo, não sente obrigação alguma de evitar o que Deus odeia e não sente nenhuma necessidade de obedecer à Palavra de Deus. Ele pode divorciar-se. Paulo diz, porém, que o crente não pode (falaremos de uma exceção que vejo quanto a isso). O crente não pensa primeiro em si mesmo. O propósito de Deus ao criar o homem não é a sua auto-realização e sim que ele O glorifique e desfrute do Pai pela eternidade. O cristão pensa primeiro na glória de Deus e, em segundo lugar, conforme esta passagem, nas conseqüências eternas para seu cônjuge e filhos.
Por incrível que pareça, nas passagens indicadas neste artigo, Jesus, Paulo e Pedro não comentam a felicidade da pessoa num casamento difícil. Também não mencionam o amor ou a falta do mesmo. Ao falar de razões justificáveis para o divórcio, estes textos tratam de comportamentos objetivos e visíveis: o adultério (Mt 19) e o abandono (1 Co 7). Ainda que, em outro contexto, Jesus fale do adultério que acontece no coração (Mt 5.27-30), em Mateus 19 e 1 Coríntios 7, Jesus e Paulo não estão falando de adultério ou de abandono emocional. Falam de comportamentos objetivos e visíveis que um tribunal de justiça reconheceria.
Jesus, Paulo e Pedro não fazem alusão de como uma pessoa não-crente trata seu cônjuge. Não se referem ao abuso físico ou emocional. O profeta Malaquias sim, indica que Deus odeia o divórcio e a violência (2.16). Uma pessoa casada com um cônjuge violento deve tomar as medidas necessárias para se proteger, colocando limites saudáveis e afastando-se dele quando agir de forma violenta. Tanto o livro Limites, de Cloud e Townsend (Editora Vida), como O Amor Tem Que Ser Firme, de James Dobson (Mundo Cristão), dão boas dicas nesse sentido.
Se alguém não consegue se proteger da violência de seu cônjuge, crente ou não-crente, talvez precise separar-se. Infelizmente, pessoas crentes também podem ser abusivas. Quase sem exceção, abusadores foram vítimas de abuso no passado, provavelmente na infância. A igreja e o cônjuge abusado precisam reconhecer isso e procurar uma forma de tratamento para seus problemas. Ao mesmo tempo, se o abusador for resistente a tratar-se, a prioridade é dar apoio para que o cônjuge e os filhos não continuem a sofrer atos de violência. A igreja nunca pode estipular que se submeter a qualquer forma de violência seja parte do que significa ser “submisso” dentro de um casamento. Se o abusador for membro da igreja, é preciso confrontá-lo e corrigi-lo, seguindo os passos de Mateus 18.15-17 que pode, na pior das hipóteses, chegar à disciplina máxima da igreja. Ela deve ser um lugar seguro, onde pessoas abusadas podem falar a verdade sobre suas vidas e seus relacionamentos e receber a proteção e o apoio necessários.
Existem casos onde uma separação temporária ou até prolongada é indicada. Mas já que Paulo deixa claro que não deve haver separação, eu entendo que a mesma precisa ser feita sob a perspectiva de reconciliação. O alvo da separação temporária é a restauração do casamento. O motivo da separação é a proteção emocional e física da pessoa abusada, visto que, na separação temporária, haverá maiores chances de cura e crescimento da parte de ambos os cônjuges, para que o casamento possa ser restaurado.
Quando um casamento é tão penoso a ponto de um cônjuge agir como se fosse inimigo (sendo ele crente ou não), precisamos voltar às palavras de Jesus sobre como tratar nossos inimigos (Mt 5.43-48; Lc 6.27-36). Seja debaixo do mesmo teto ou separados, Ele nos ensina pelo menos quatro atitudes em relação a esse cônjuge “inimigo”:
Amá-lo. Este amor não é um sentimento romântico, mas uma atitude de desejar o melhor para o outro, agindo segundo esse desejo. Muitas pessoas em casamentos delicados queixam-se de que perderam seu amor pelo cônjuge. O amorágape indicado aqui vem de Deus; não é natural a nós. Esse amor se perde apenas se perdermos o vínculo com Deus. Se perdermos esse amor, nosso problema é maior e diferente do que a falta de um sentimento especial pelo nosso cônjuge.
Orar pela pessoa que nos maltrata, intercedendo por seu arrependimento, para que ela caia em si, encontre a Jesus e O veja em nós.
Fazer o bem para quem nos odeia. Uma expressão desse “bem” pode ser insistir para que o cônjuge procure aconselhamento ou passe por algum tratamento de restauração como uma condição de continuarem juntos, ou de voltarem a morar juntos, se já estiverem separados.
Abençoar quem nos amaldiçoa. Precisamos lembrar que pessoas abusadas naturalmente abusam também. Pessoas feridas naturalmente machucam outras. José do Egito, abusado por seus irmãos, em sua dor, não percebeu que ele também os machucou profundamente. Precisamos abençoar nosso cônjuge, pois, do contrário, faremos mal para ele (veja 1 Pe 3.9).
Eu não tenho dúvida de que essas atitudes são impossíveis para qualquer ser humano que dependa apenas de si mesmo. Precisamos rogar que o Espírito Santo nos encha para amar como apenas Ele pode. Ora, se até as dicas que Paulo dá para casamentos bons e saudáveis, em Efésios (5.21-31), são baseadas na condição de sermos cheios do Espírito (Ef 5.18), quanto mais num casamento disfuncional ou abusador!
Paulo fala de submissão da esposa ao marido (Ef 5.22-24). Não é uma submissão cega. Existem dois níveis de autoridade acima da autoridade humana em nossas vidas: as Sagradas Escrituras e a nossa consciência. Se, por exemplo, o marido quer forçar sua mulher a fazer algo que ela entende ser contrário ao ensino bíblico ou contra sua consciência, ela deve desobedecê-lo, ao mesmo tempo que demonstra respeito e até aceita possíveis punições. (Veja o exemplo de Pedro e João que, respeitosamente, desobedeceram os líderes religiosos, em Atos 5.27-42, aceitando as conseqüências. Essa atitude se tornou famosa através da “desobediência civil”, da parte de grandes líderes, como Gandhi e Martin Luther King.)
Ser maltratado não é algo que necessariamente vai contra nossa consciência. Pedro dá instruções claras e profundas a escravos cristãos para se submeterem não apenas aos bons e amáveis chefes, mas também aos maus. Ele elogia o suportar aflições injustas por causa do nome de Cristo ou por fazer o bem. Chama-os a andar nos passos de Jesus que “quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças” (1 Pe 2.18-23a). Após descrever todo o contexto do escravo e de como Jesus agüentou ser maltratado, Pedro inicia tanto as instruções para a esposa, como para o marido no capítulo seguinte, com as palavras “Do mesmo modo” (1 Pe 3.1, 7). Ele orienta como agir quando somos maltratados pelo governo (1 Pe 2.13-17) ou no trabalho (1 Pe 2.18-21); essas orientações se aplicam aos maus-tratos ou abuso no casamento. Ao mesmo tempo, como já mencionado, isso tem seus limites. Se a saúde física, a vida da pessoa ou a saúde emocional estiverem ameaçadas, uma separação temporária seria indicada.
Retomando o ensino bíblico para casamentos em crise, Jesus enfatiza que o que Deus uniu, ninguém deve separar (Mt 19.6). A aliança do casamento se dá entre três pessoas: Deus, um homem e uma mulher. Em primeiro lugar, divórcio vai contra a natureza de Deus, contra o caráter d’Ele, contra demonstrar que somos parte de um povo fiel que cumpre Sua palavra e mantém Sua aliança. Não deve nos surpreender que Deus odeie o divórcio.
Quando o crente toma a iniciativa para se divorciar, age como um não-crente, não acredita que Deus sabe melhor do que ele, não se submete a obedecer Sua Palavra, escolhe fazer o que Deus odeia e, provavelmente, afasta seu cônjuge ainda mais da presença do Deus Eterno. Paulo ensina que, sendo paciente e perseverando no casamento, poderemos ver uma de duas coisas: o cônjuge arrepender-se ou arrebentar-se. No primeiro caso, salvamos nosso cônjuge e o casamento e resgatamos algo imensuravelmente precioso para nossos filhos. No segundo caso, se o não-crente optar por sair do casamento ou adulterar, ele nos libera dessa aliança, dando-nos até a opção de casar novamente (1 Co 7 e Mt 19).
O que fazer se o cônjuge não-crente ou abusador nunca se arrepende e muda, mas permanece dentro do casamento? Isso talvez seja o maior medo dos cristãos que sofrem em casamentos infelizes. Ainda se for necessário se separarem por motivos de abuso, eles devem continuar com as atitudes indicadas sobre nossos “inimigos”. Alguém que está num estado prolongado de separação pode perguntar “nunca poderei me casar de novo e ser feliz?” Eu entendo que Jesus menciona esse assunto de forma indireta, em seu ensino em Mateus 19. Quando os discípulos acham que a visão de Jesus para o casamento é pura utopia, ele responde: “Nem todos têm condições de aceitar esta palavra; somente aqueles a quem isso é dado. Alguns são eunucos porque nasceram assim; outros foram feitos assim pelos homens; outros ainda se fizeram eunucos por causa do Reino dos céus. Quem puder aceitar isso, aceite.” (vv. 11, 12).
Eu enxergo que alguns se fazem eunucos (celibato) por causa do Reino, optando por não entrar na felicidade de um novo casamento porque seus olhos estão fixos em Jesus e Seus propósitos eternos. Aguardando a salvação do cônjuge, entregam suas vidas para Jesus (incluindo suas vidas sexuais), agindo, assim, como verdadeiros discípulos ou filhos de Deus. Isso implica evitar intimidade e qualquer situação que possa levá-los a se envolver emocional ou fisicamente com o sexo oposto. Se, por motivos da violência do cônjuge, um cristão precisa ficar separado fisicamente dele, deve assumir a atitude que Paulo relata no final de 1 Coríntios 7, sobre dedicar-se a Jesus com toda sua energia e tempo, como se fosse solteiro. Ao mesmo tempo, ele precisa ter o cuidado de não deixar o ministério ser um motivo para se afastar das quatro atitudes já indicadas, sobre como se relacionar com seus inimigos.
Seria um pecado a igreja ou um líder pastoral apenas apontar tudo isso e dizer que vai orar pela pessoa que sofre num casamento complicado. Fé sem obras é morta (veja Tg 2.14-17). A igreja precisa oferecer diversas formas de ajuda para essa pessoa. As três principais são:
Grupos familiares, um contexto onde a pessoa abusada pode experimentar um lugar seguro, um ambiente familiar saudável e aprender, se não sabe ainda, como relacionar-se de forma sadia.
Grupos de apoio compostos especificamente de pessoas com problemas que não conseguem resolver. Aqui ela encontra companheiros de jugo, um lugar onde pode ser realmente honesta, transparente e autêntica em seus altos e baixos, e um contexto no qual tratar seus próprios problemas emocionais. (Veja meus livros Aprofundando a Cura Interior através de Grupos de Apoio, Volumes 1 e 2, Editora Sepal. Veja também o livro de Débora, Vítima, Sobrevivente, Vencedor. Perspectivas sobre Abuso Sexual, Editora Sepal, que orienta como montar um grupo de apoio para vítimas de abuso.)
Casais apoiadores. Estudos feitos nos Estados Unidos (que são citados no site, indicado no relatório ao final deste artigo) demonstram que a porcentagem de divórcios caiu de forma marcante e visível não apenas em uma igreja, mas em cidades inteiras, onde casais saudáveis e capacitados adotaram e acompanharam casais com dificuldades.
A igreja precisa acordar, erguer-se e ser eficaz em resgatar casamentos em crise. Precisamos parar de oferecer apenas “curativos” para pessoas que sofrem de câncer no seu casamento, e dar apoio, esperança e formas práticas para que elas passem de vítimas a sobreviventes e vencedoras. Quando um cristão se divorcia do seu cônjuge, de alguma forma muito profunda, está comunicando que falhou na relação mais fundamental de sua vida. Mas ele não falhou sozinho. A igreja precisa reconhecer que também falhou ao não dar o apoio, o conselho e a ajuda necessários.
Se a igreja oferecer tudo isso e o crente ainda decidir divorciar-se, resta ainda um passo difícil do “amor que tem que ser firme”, um passo que muitas igrejas hoje em dia não têm coragem ou integridade para tomar. Quando uma pessoa decide violar consciente e abertamente o ensino bíblico, os passos de confronto e disciplina em Mateus 18.15-17 devem ser seguidos. Como podemos dizer que levamos o casamento a sério se passamos a mão na cabeça de pessoas que optam em, explicitamente, desobedecer o ensino bíblico nesta área? Em nome de enxergá-las como vítimas, coitadas, doloridas, feridas e não sei quantas outras coisas, apoiaremos a desobediência explícita à Palavra de Deus? Se fizermos isso, abandonamos tanto o amor verdadeiro, como a autoridade das Escrituras. Desafio a igreja a erguer-se, tanto no consolo, aconselhamento e apoio verdadeiro, como em defender o ensino e a prática da visão bíblica do casamento.
Resumindo, Deus tem uma visão gloriosa da aliança do casamento que demonstra Seu caráter e propósitos divinos. O cristão casado com uma pessoa difícil ou abusadora precisa manter essa visão. Seu alvo deve ser glorificar a Deus e amar seu cônjuge com a esperança de ver a sua salvação e a salvação de seus filhos. A igreja deve apoiar de forma palpável na procura de restauração de seu casamento, incluindo ensino bíblico e disciplina, se for necessário. Se alguém precisa separar-se para proteger-se da violência, isso deve ser um passo temporário com vistas à restauração do casamento. Dentro ou fora da mesma casa, devemos amar nosso cônjuge, orar por ele, fazer o bem a ele e abençoá-lo. Nosso supremo alvo não é a nossa realização ou felicidade, mas glorificar a Deus e desfrutar d’Ele para sempre.
AD
Será que o Brasil seguirá esse rumo? Será que as igrejas evangélicas andarão nesse caminho? Afirmamos categoricamente que Deus ama os divorciados, que a igreja deve ser um lugar seguro para eles, oferecer esperança e um contexto apropriado para restaurar suas vidas. Ao mesmo tempo, se a igreja reflete a sociedade de forma geral quanto ao número de seus membros que procuram o divórcio, temos que admitir que o evangelho perdeu seu poder. A igreja precisa ser um lugar seguro não apenas para divorciados, mas também para os que acreditam no casamento e estão dispostos a lutar por um casamento saudável.
Por que o casamento é tão importante para Deus? Por que Ele insiste “que o que Deus uniu, ninguém separe” (Mt 19.6)? Os propósitos de Deus para o casamento incluem:
Revelar a imagem e semelhança d’Ele e os Seus propósitos em nos criar, abrindo um espaço para experimentarmos a comunhão que Ele tem na Trindade (Gn 1.26, 27).
Resolver a solidão que aflige o homem desde antes da queda (Gn 2.18).
Dar a cada pessoa a oportunidade de formar uma nova família, principalmente para aquele cuja família de origem era disfuncional (Gn 2.24; Mt 19.5, 6; Ef 5.31).
Celebrar, no ato sexual, uma intimidade não apenas física, mas emocional e espiritual. Deus faz questão que esse ato expresse verdadeiro amor, pureza e aliança (pacto), reservando-o, por essa razão, para o casamento (Gn 2.24).
Dar-nos alguém com quem podemos ser transparentes, autênticos, sem experimentar vergonha (Gn 2.25). O desejo d’Ele é que possamos amar e ser amados sem medo, porque o verdadeiro amor expulsa o medo (1 Jo 4.18).
Revelar a grandeza do amor de Cristo por nós como sua Noiva, a Igreja (Ef 5.22-32). A história, de Gênesis a Apocalipse, enfatiza o amor de Jesus por sua Noiva e nós recebemos o privilégio de ser um espelho desse amor. Sua aliança, Sua fidelidade e Seus propósitos eternos revelam-se no casamento.
Dessa forma, não devemos ficar surpresos ao saber que Satanás empenha todos os seus esforços para acabar com casamentos saudáveis, prejudicando a muitos, tornando essa união numa relação intensamente infeliz para muitas pessoas. Se Deus, por Sua vez, não fizesse um compromisso de aliança conosco no casamento, não teríamos chances de nos aproximar dos Seus propósitos eternos. Um casamento saudável é realmente glorioso! E um infeliz, pode tornar-se num inferno, destruindo não apenas o casal, mas a família, e espalhando essa herança negativa às gerações seguintes.
Trabalhamos com restauração de vidas há alguns anos. Deus nos permitiu fundar o ministério Lar, Doce Lar. Aprendemos que as dores das pessoas são reais e devem ser levadas à sério para que sejam restauradas. Empatia, chorar com os que choram e ajudá-los a desabafar, a liberar a dor e a experimentar Jesus levando essa dor sobre si são partes fundamentais na restauração de pessoas feridas. Ao mesmo tempo, precisamos entender bem os propósitos de Deus no sofrimento e não nos enganarmos em pensar que a felicidade das pessoas é o supremo alvo da vida ou de nosso ministério.
Tenho conversado com muitas pessoas crentes que experimentam diversos graus de abuso emocional em seus casamentos. Dizem não agüentar mais. Querem, de qualquer forma, algum escape, alguma saída. Isso é preocupante, pois cada um que se divorcia acaba influenciando outros e, se continuar assim, haverá uma epidemia de divórcio na igreja. Mas algo é ainda mais inquietante: perdemos a visão de Deus para o casamento e não acreditamos quando Ele comunica claramente Seu coração quanto a como agir em casamentos infelizes. A Bíblia traduz o coração d’Ele nesse sentido em quatro passagens, com os seguintes temas:
Mal 2.10, 13-17 – Deus odeia o divórcio e a violência.
Mt 19.3-12 – Não devemos nos divorciar a não ser no caso de adultério.
1 Co 7.1-17 – Bases bíblicas para o divórcio e novo casamento da parte dos crentes.
1 Pe 3.1-9 – Como tratar um cônjuge descrente.
Quando peço que pessoas infelizes leiam esses textos para ouvir a Deus sobre sua situação, muitas simplesmente desprezam a perspectiva bíblica e continuam focalizando a sua dor, seu sofrimento, sua infelicidade.
O mundo, a carne e o diabo juntam-se para nos convencer de que nossa felicidade é o que deve nortear nossas vidas. Esta crença, e os espíritos atrás dela, enganam o mundo e querem enganar os santos. A teoria do humanismo exalta o ser humano como um deus, ele é o mais importante. O espírito do individualismo exalta o indivíduo e sua realização pessoal. O hedonismo exalta o prazer e o “direito” de orientar a vida pela busca a qualquer preço da felicidade.
Muitas pessoas que sofrem em seus casamentos estão desnorteadas; focalizam mais sua dor que Cristo; preocupam-se mais com seu sofrimento do que em serem fiéis a Ele. Em parte é compreensível, porque quem sofre muito tende a perder a perspectiva sã e equilibrada. O problema aprofunda-se quando os pastores destas pessoas se perdem na dor delas também, apoiando-as na procura de sua felicidade através do divórcio. Essa procura da felicidade perde totalmente de vista as palavras de Jesus, quando disse: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Quem acha a sua vida a perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará” (Mt 10.38, 39).
Precisamos lembrar que o sofrimento é parte natural do chamado cristão. Somos bem-aventurados quando insultados, perseguidos e caluniados por causa de Jesus (Mt 5.11). Paulo considerou tudo como lixo, como perda, como esterco para poder realmente conhecer a Cristo. Ele resume sua visão, dizendo: “Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte” (Fp 3.10). Deus e a Bíblia lidam seriamente com o assunto do sofrimento. Um livro inteiro da Bíblia é dedicado ao sofrimento injusto (Jó), os Salmos expressam com muita honestidade a dor e sofrimento do salmista; 1 Pedro foi escrito especificamente para crentes que sofrem nas mais diversas situações (na sociedade, no emprego e no casamento). Pedro ressalta que Jesus é nosso exemplo de como enfrentar o sofrimento e que devemos andar em Seus passos (1 Pe 2.21).
Todos sofremos, crentes e não-crentes, doenças, problemas financeiros, morte de alguém querido, assalto, casamento difícil… Como o cristão responde a esse sofrimento pode ou não refletir a glória de Deus e o exemplo de nosso Senhor e Salvador. Caráter forma-se na fornalha. Paulo considera que “os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada” (Rm 8.18). Conheço poucas pessoas que têm sofrido fisicamente tanto quanto minha filha, Karis, que, com uma doença crônica, passou grande parte de sua vida com dor, internada em hospitais e diversas vezes desenganada pelos médicos. Mas a glória de Deus que vejo nela me emociona. Quem sofre no casamento tem um convite para esse caminho de glória. Há também a opção de fugir desse caminho estreito, trocando a glória de Deus por sua própria felicidade.
Lembremos: felicidade e alegria não são sinônimos. Felicidade é circunstancial, afetada por muitas coisas, como desemprego, dor, conflitos e adversidade. Alegria é um fruto contínuo do Espírito (Gl 5.22, 23) e uma expressão fundamental do reino de Deus (Rm 14.7). Saber a diferença e viver nessa alegria não é algo automático; é um aprendizado. Paulo aprendeu a adaptar-se e contentar-se em “toda e qualquer circunstância” através da graça de Deus que o fortalecia (Fp 4.11-13). Deus quer que tenhamos uma alegria que não dependa do nosso cônjuge. Este não tem o poder de dominar nossos sentimentos. Nós mesmos é que escolhemos e somos responsáveis por nossas escolhas. Quando deixamos o nosso cônjuge ter um poder indevido sobre nós, permitimos um tipo de idolatria em nossas vidas que gera uma série de seqüelas, não só para nós, mas também para nossos filhos.
Isso significa que Deus não se importa com nosso sofrimento, que Ele não dá ouvidos ao nosso clamor? De maneira alguma! As Escrituras nos falam constantemente do amor, da misericórdia e da compaixão de Deus. É exatamente por causa do Seu imenso amor que Ele não permite que adotemos práticas que irão nos prejudicar ainda mais. A pergunta mais pertinente é se nósconfiamos o suficiente n’Ele para acreditar que os Seus mandamentos existem para nosso maior bem-estar, e que o caminho da obediência é o caminho de bênção para nós e para nossos filhos.
Vejamos, rapidamente, o intuito das passagens que falam da visão divina sobre como agirmos em casamentos infelizes. Iniciemos por 1 Coríntios 7, que fala especificamente a pessoas crentes casadas com descrentes. Aqui, Deus chama o cônjuge cristão a olhar para o casamento à luz da eternidade. O alvo não é ser realizado, alegre ou sentir-se bem. O alvo é a salvação do cônjuge e a santificação dos filhos. Se o cristão procura o divórcio quando o cônjuge não quer isso, o não-crente terá bastante razão para sentir-se ferido, magoado e amargurado não apenas com o cônjuge, mas também com o Deus dele (e com a igreja que apóia o divórcio, se for o caso).
Quanto aos filhos, alguém pode até achar que eles viverão muito melhor longe do cônjuge não-crente. Com certeza, se houver violência no lar, uma separação temporária seria indicada. Mas os efeitos negativos do divórcio nos filhos são bem documentados. Também existe um impacto sério no mundo espiritual. Quando Paulo fala que o cristão deve ficar casado para que os filhos sejam santificados (1 Co 7.14), eu entendo que quando um cristão honra a aliança de casamento, obedece a Deus e se comporta com fidelidade e amor num contexto difícil, os filhos ganham uma herança espiritual abençoada que de outra forma não poderiam adquirir. Se houver a quebra da aliança, o afastamento dos planos de Deus, a procura de sua própria felicidade acima de qualquer coisa, também será transmitida uma herança no mundo espiritual para as crianças, porém, amaldiçoada.
Meus pais e sogros tiveram casamentos bem difíceis. Sofreram muito. Mas a herança que eu tenho e a visão que tenho do casamento, de que ele permanece “até que a morte os separe”, fortalece-me tremendamente nos momentos que eu também lido com dificuldades. Passar esse legado para meus filhos é muito maior do que qualquer dinheiro ou posses que poderíamos deixar. Não apenas meus filhos, mas a igreja inteira e o mundo, com todo seu desespero, ganham confiança e esperança de que um casamento saudável é possível. Essa herança alcançará pessoas e gerações muito além da minha família.
1 Coríntios 7 mostra-nos que existe um padrão de comportamento mais elevado para o crente do que para o não-crente. O não-crente não conhece Jesus, não tem o poder do Espírito Santo, não sente obrigação alguma de evitar o que Deus odeia e não sente nenhuma necessidade de obedecer à Palavra de Deus. Ele pode divorciar-se. Paulo diz, porém, que o crente não pode (falaremos de uma exceção que vejo quanto a isso). O crente não pensa primeiro em si mesmo. O propósito de Deus ao criar o homem não é a sua auto-realização e sim que ele O glorifique e desfrute do Pai pela eternidade. O cristão pensa primeiro na glória de Deus e, em segundo lugar, conforme esta passagem, nas conseqüências eternas para seu cônjuge e filhos.
Por incrível que pareça, nas passagens indicadas neste artigo, Jesus, Paulo e Pedro não comentam a felicidade da pessoa num casamento difícil. Também não mencionam o amor ou a falta do mesmo. Ao falar de razões justificáveis para o divórcio, estes textos tratam de comportamentos objetivos e visíveis: o adultério (Mt 19) e o abandono (1 Co 7). Ainda que, em outro contexto, Jesus fale do adultério que acontece no coração (Mt 5.27-30), em Mateus 19 e 1 Coríntios 7, Jesus e Paulo não estão falando de adultério ou de abandono emocional. Falam de comportamentos objetivos e visíveis que um tribunal de justiça reconheceria.
Jesus, Paulo e Pedro não fazem alusão de como uma pessoa não-crente trata seu cônjuge. Não se referem ao abuso físico ou emocional. O profeta Malaquias sim, indica que Deus odeia o divórcio e a violência (2.16). Uma pessoa casada com um cônjuge violento deve tomar as medidas necessárias para se proteger, colocando limites saudáveis e afastando-se dele quando agir de forma violenta. Tanto o livro Limites, de Cloud e Townsend (Editora Vida), como O Amor Tem Que Ser Firme, de James Dobson (Mundo Cristão), dão boas dicas nesse sentido.
Se alguém não consegue se proteger da violência de seu cônjuge, crente ou não-crente, talvez precise separar-se. Infelizmente, pessoas crentes também podem ser abusivas. Quase sem exceção, abusadores foram vítimas de abuso no passado, provavelmente na infância. A igreja e o cônjuge abusado precisam reconhecer isso e procurar uma forma de tratamento para seus problemas. Ao mesmo tempo, se o abusador for resistente a tratar-se, a prioridade é dar apoio para que o cônjuge e os filhos não continuem a sofrer atos de violência. A igreja nunca pode estipular que se submeter a qualquer forma de violência seja parte do que significa ser “submisso” dentro de um casamento. Se o abusador for membro da igreja, é preciso confrontá-lo e corrigi-lo, seguindo os passos de Mateus 18.15-17 que pode, na pior das hipóteses, chegar à disciplina máxima da igreja. Ela deve ser um lugar seguro, onde pessoas abusadas podem falar a verdade sobre suas vidas e seus relacionamentos e receber a proteção e o apoio necessários.
Existem casos onde uma separação temporária ou até prolongada é indicada. Mas já que Paulo deixa claro que não deve haver separação, eu entendo que a mesma precisa ser feita sob a perspectiva de reconciliação. O alvo da separação temporária é a restauração do casamento. O motivo da separação é a proteção emocional e física da pessoa abusada, visto que, na separação temporária, haverá maiores chances de cura e crescimento da parte de ambos os cônjuges, para que o casamento possa ser restaurado.
Quando um casamento é tão penoso a ponto de um cônjuge agir como se fosse inimigo (sendo ele crente ou não), precisamos voltar às palavras de Jesus sobre como tratar nossos inimigos (Mt 5.43-48; Lc 6.27-36). Seja debaixo do mesmo teto ou separados, Ele nos ensina pelo menos quatro atitudes em relação a esse cônjuge “inimigo”:
Amá-lo. Este amor não é um sentimento romântico, mas uma atitude de desejar o melhor para o outro, agindo segundo esse desejo. Muitas pessoas em casamentos delicados queixam-se de que perderam seu amor pelo cônjuge. O amorágape indicado aqui vem de Deus; não é natural a nós. Esse amor se perde apenas se perdermos o vínculo com Deus. Se perdermos esse amor, nosso problema é maior e diferente do que a falta de um sentimento especial pelo nosso cônjuge.
Orar pela pessoa que nos maltrata, intercedendo por seu arrependimento, para que ela caia em si, encontre a Jesus e O veja em nós.
Fazer o bem para quem nos odeia. Uma expressão desse “bem” pode ser insistir para que o cônjuge procure aconselhamento ou passe por algum tratamento de restauração como uma condição de continuarem juntos, ou de voltarem a morar juntos, se já estiverem separados.
Abençoar quem nos amaldiçoa. Precisamos lembrar que pessoas abusadas naturalmente abusam também. Pessoas feridas naturalmente machucam outras. José do Egito, abusado por seus irmãos, em sua dor, não percebeu que ele também os machucou profundamente. Precisamos abençoar nosso cônjuge, pois, do contrário, faremos mal para ele (veja 1 Pe 3.9).
Eu não tenho dúvida de que essas atitudes são impossíveis para qualquer ser humano que dependa apenas de si mesmo. Precisamos rogar que o Espírito Santo nos encha para amar como apenas Ele pode. Ora, se até as dicas que Paulo dá para casamentos bons e saudáveis, em Efésios (5.21-31), são baseadas na condição de sermos cheios do Espírito (Ef 5.18), quanto mais num casamento disfuncional ou abusador!
Paulo fala de submissão da esposa ao marido (Ef 5.22-24). Não é uma submissão cega. Existem dois níveis de autoridade acima da autoridade humana em nossas vidas: as Sagradas Escrituras e a nossa consciência. Se, por exemplo, o marido quer forçar sua mulher a fazer algo que ela entende ser contrário ao ensino bíblico ou contra sua consciência, ela deve desobedecê-lo, ao mesmo tempo que demonstra respeito e até aceita possíveis punições. (Veja o exemplo de Pedro e João que, respeitosamente, desobedeceram os líderes religiosos, em Atos 5.27-42, aceitando as conseqüências. Essa atitude se tornou famosa através da “desobediência civil”, da parte de grandes líderes, como Gandhi e Martin Luther King.)
Ser maltratado não é algo que necessariamente vai contra nossa consciência. Pedro dá instruções claras e profundas a escravos cristãos para se submeterem não apenas aos bons e amáveis chefes, mas também aos maus. Ele elogia o suportar aflições injustas por causa do nome de Cristo ou por fazer o bem. Chama-os a andar nos passos de Jesus que “quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças” (1 Pe 2.18-23a). Após descrever todo o contexto do escravo e de como Jesus agüentou ser maltratado, Pedro inicia tanto as instruções para a esposa, como para o marido no capítulo seguinte, com as palavras “Do mesmo modo” (1 Pe 3.1, 7). Ele orienta como agir quando somos maltratados pelo governo (1 Pe 2.13-17) ou no trabalho (1 Pe 2.18-21); essas orientações se aplicam aos maus-tratos ou abuso no casamento. Ao mesmo tempo, como já mencionado, isso tem seus limites. Se a saúde física, a vida da pessoa ou a saúde emocional estiverem ameaçadas, uma separação temporária seria indicada.
Retomando o ensino bíblico para casamentos em crise, Jesus enfatiza que o que Deus uniu, ninguém deve separar (Mt 19.6). A aliança do casamento se dá entre três pessoas: Deus, um homem e uma mulher. Em primeiro lugar, divórcio vai contra a natureza de Deus, contra o caráter d’Ele, contra demonstrar que somos parte de um povo fiel que cumpre Sua palavra e mantém Sua aliança. Não deve nos surpreender que Deus odeie o divórcio.
Quando o crente toma a iniciativa para se divorciar, age como um não-crente, não acredita que Deus sabe melhor do que ele, não se submete a obedecer Sua Palavra, escolhe fazer o que Deus odeia e, provavelmente, afasta seu cônjuge ainda mais da presença do Deus Eterno. Paulo ensina que, sendo paciente e perseverando no casamento, poderemos ver uma de duas coisas: o cônjuge arrepender-se ou arrebentar-se. No primeiro caso, salvamos nosso cônjuge e o casamento e resgatamos algo imensuravelmente precioso para nossos filhos. No segundo caso, se o não-crente optar por sair do casamento ou adulterar, ele nos libera dessa aliança, dando-nos até a opção de casar novamente (1 Co 7 e Mt 19).
O que fazer se o cônjuge não-crente ou abusador nunca se arrepende e muda, mas permanece dentro do casamento? Isso talvez seja o maior medo dos cristãos que sofrem em casamentos infelizes. Ainda se for necessário se separarem por motivos de abuso, eles devem continuar com as atitudes indicadas sobre nossos “inimigos”. Alguém que está num estado prolongado de separação pode perguntar “nunca poderei me casar de novo e ser feliz?” Eu entendo que Jesus menciona esse assunto de forma indireta, em seu ensino em Mateus 19. Quando os discípulos acham que a visão de Jesus para o casamento é pura utopia, ele responde: “Nem todos têm condições de aceitar esta palavra; somente aqueles a quem isso é dado. Alguns são eunucos porque nasceram assim; outros foram feitos assim pelos homens; outros ainda se fizeram eunucos por causa do Reino dos céus. Quem puder aceitar isso, aceite.” (vv. 11, 12).
Eu enxergo que alguns se fazem eunucos (celibato) por causa do Reino, optando por não entrar na felicidade de um novo casamento porque seus olhos estão fixos em Jesus e Seus propósitos eternos. Aguardando a salvação do cônjuge, entregam suas vidas para Jesus (incluindo suas vidas sexuais), agindo, assim, como verdadeiros discípulos ou filhos de Deus. Isso implica evitar intimidade e qualquer situação que possa levá-los a se envolver emocional ou fisicamente com o sexo oposto. Se, por motivos da violência do cônjuge, um cristão precisa ficar separado fisicamente dele, deve assumir a atitude que Paulo relata no final de 1 Coríntios 7, sobre dedicar-se a Jesus com toda sua energia e tempo, como se fosse solteiro. Ao mesmo tempo, ele precisa ter o cuidado de não deixar o ministério ser um motivo para se afastar das quatro atitudes já indicadas, sobre como se relacionar com seus inimigos.
Seria um pecado a igreja ou um líder pastoral apenas apontar tudo isso e dizer que vai orar pela pessoa que sofre num casamento complicado. Fé sem obras é morta (veja Tg 2.14-17). A igreja precisa oferecer diversas formas de ajuda para essa pessoa. As três principais são:
Grupos familiares, um contexto onde a pessoa abusada pode experimentar um lugar seguro, um ambiente familiar saudável e aprender, se não sabe ainda, como relacionar-se de forma sadia.
Grupos de apoio compostos especificamente de pessoas com problemas que não conseguem resolver. Aqui ela encontra companheiros de jugo, um lugar onde pode ser realmente honesta, transparente e autêntica em seus altos e baixos, e um contexto no qual tratar seus próprios problemas emocionais. (Veja meus livros Aprofundando a Cura Interior através de Grupos de Apoio, Volumes 1 e 2, Editora Sepal. Veja também o livro de Débora, Vítima, Sobrevivente, Vencedor. Perspectivas sobre Abuso Sexual, Editora Sepal, que orienta como montar um grupo de apoio para vítimas de abuso.)
Casais apoiadores. Estudos feitos nos Estados Unidos (que são citados no site, indicado no relatório ao final deste artigo) demonstram que a porcentagem de divórcios caiu de forma marcante e visível não apenas em uma igreja, mas em cidades inteiras, onde casais saudáveis e capacitados adotaram e acompanharam casais com dificuldades.
A igreja precisa acordar, erguer-se e ser eficaz em resgatar casamentos em crise. Precisamos parar de oferecer apenas “curativos” para pessoas que sofrem de câncer no seu casamento, e dar apoio, esperança e formas práticas para que elas passem de vítimas a sobreviventes e vencedoras. Quando um cristão se divorcia do seu cônjuge, de alguma forma muito profunda, está comunicando que falhou na relação mais fundamental de sua vida. Mas ele não falhou sozinho. A igreja precisa reconhecer que também falhou ao não dar o apoio, o conselho e a ajuda necessários.
Se a igreja oferecer tudo isso e o crente ainda decidir divorciar-se, resta ainda um passo difícil do “amor que tem que ser firme”, um passo que muitas igrejas hoje em dia não têm coragem ou integridade para tomar. Quando uma pessoa decide violar consciente e abertamente o ensino bíblico, os passos de confronto e disciplina em Mateus 18.15-17 devem ser seguidos. Como podemos dizer que levamos o casamento a sério se passamos a mão na cabeça de pessoas que optam em, explicitamente, desobedecer o ensino bíblico nesta área? Em nome de enxergá-las como vítimas, coitadas, doloridas, feridas e não sei quantas outras coisas, apoiaremos a desobediência explícita à Palavra de Deus? Se fizermos isso, abandonamos tanto o amor verdadeiro, como a autoridade das Escrituras. Desafio a igreja a erguer-se, tanto no consolo, aconselhamento e apoio verdadeiro, como em defender o ensino e a prática da visão bíblica do casamento.
Resumindo, Deus tem uma visão gloriosa da aliança do casamento que demonstra Seu caráter e propósitos divinos. O cristão casado com uma pessoa difícil ou abusadora precisa manter essa visão. Seu alvo deve ser glorificar a Deus e amar seu cônjuge com a esperança de ver a sua salvação e a salvação de seus filhos. A igreja deve apoiar de forma palpável na procura de restauração de seu casamento, incluindo ensino bíblico e disciplina, se for necessário. Se alguém precisa separar-se para proteger-se da violência, isso deve ser um passo temporário com vistas à restauração do casamento. Dentro ou fora da mesma casa, devemos amar nosso cônjuge, orar por ele, fazer o bem a ele e abençoá-lo. Nosso supremo alvo não é a nossa realização ou felicidade, mas glorificar a Deus e desfrutar d’Ele para sempre.
AD
0 comentários:
Postar um comentário