quinta-feira, 31 de maio de 2012

Planejamento Familiar


         Temos diante de nós uma tarefa hermenêutica: trazer para hoje a interpretação de algo sobre o qual a Bíblia é muito econômica.
         Há todo um quadro sociológico, psicológico, de valores espirituais, e determinantes teológicas que não é o nosso à luz da clareza do evangelho, dos ensinos de Jesus e da Igreja apostólica.
         Temos dois diferentes problemas que se entrançam: o da contracepção e o do planejamento familiar. O primeiro não é novo. As Escrituras Sagradas mencionam o caso de Onã, neto de Jacó, filho de Judá com uma mulher cananéia (Gn 38.1-9). Tendo morrido seu irmão Er, Onã assume o seu lugar junto à viúva, com o objetivo legal de deixar descendência para o irmão Diz o texto "que toda vez que se unia à mulher de seu irmão, derramava o sêmen no chão para Dar descendência a seu irmão" (v.9). Realizava ele o que é chamado "coito interrompido", considerado no texto como um mal. Aliás, a análise dos métodos anticoncepcionais considera como "um dos menos eficazes" . Quanto ao caso seguinte, ou seja, de planejamento familiar, a Bíblia menciona em Gênesis 30.14 algo nos domínios da medicina popular, "saiu Rúben nos dias de ceifa do trigo e achou mandrágoras no campo, e as trouxe a Léia, sua mãe. Então disse Raquel a Léia. Dá-me, peço das mandrágoras de teu filho".
         Também Oséias 1.8 relata algo que se enquadra ao que a medicina ensina a respeito da esterilidade por ocasião do aleitamento:
         "ora depois de haver desmamado a Lo-Ruama, concebeu e deu à luz um filho",
         Onde, além de nutrição do recém-nascido, era forma de controle da natalidade e de planejamento da família. Nesse sentido, o problema é novo:
         "As trinta mil gerações humanas que nos precedem sempre consideraram que a procriação freqüente era a primeira garantia da família e da sobrevivência do grupo. Nosso problema não preocupou mais que as últimas doze gerações da espécie humana. Não nos deve estranhar, portanto, que seja difícil mudar um hábito mental e moral tão antigo".

O QUADRO BÍBLICO
         A Bíblia não fala de controle de nascimentos. Discute, sim, sobre filhos, responsabilidade familiar e questões de sexualidade.
         Relações sexuais entre os cônjuges são perfeitamente corretas: "Honrado seja todos o matrimônio e o leito sem mácula; pois aos devassos e adúlteros, Deus os julgará"(Hb 13.4). E, "Seja bendito o teu manancial; e regozija-te na mulher da tua mocidade. Como corça amorosa, e graciosa cabra montesa saciem-te os seus seios em todo o tempo; e pelo seu amor sê encantado perpetuamente" (Pv. 5.18,19).
         O relacionamento sexual no casamento é um dever e um privilégio. Dessa forma, "O marido pague à mulher o lhe é devido, e do mesmo modo a mulher ao marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido; e também da mesma sorte o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher. Não vos negueis um ao outro senão de comum acordo por algum tempo, a fim de vos aplicardes à oração e depois vos ajuntardes outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência" (I Co 7.3-5).
         O sexo há de ser apreciado e valorizado:
         "O meu amado é para mim como um saquitel de mirra, que repousa entre os meus seios. A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua mão direita me abrace" (Ct 1.13; 2.6).
         Mas o problema proposto é "quantos filhos?" A Bíblia não responde, apenas diz: "Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão dum homem valente, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche a sua aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta" (Sl.127.3-5);
         E, também: "Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre os animais que arrastam sobre a terra." (Gn. 1.28; (Cf. Gn 9.1; Sl. 128 3,4).
         Daí em diante, entra a inteligência nossa no discernimento, e de outros na orientação e ajuda. É deduzir do estudo da Palavra de Deus, e nos conduzirmos nos seus parâmetros.
         Não podemos esquecer a origem nômade do povo hebreu. Nesse quadro, havia um caráter tríplice que tornava a geração de filhos um dever sagrado:
         * caráter pastoril,
         * O tribal, e
         * O patriarcal.

         Crescia o clã, crescia a tribo e a importância da nação. Havia, portanto, necessidade de renovação e ampliação. Por isso: "Então o levou para fora, e disse: Olha agora para o céu, e conta as estrelas, se as podes contar, e acrescentou-lhe: Assim será a tua descendência" (Gn. 15.5), E,
         "Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão." (Sl. 127.3)
         Como resultado, vinha o respeito ao homem rico, à mãe de família numerosa, ao idosos, às pessoas de vida longa. E o conseqüente desprezo ao pobre, às mulheres estéreis, e ao doente. É ler, "E farei a tua descendência como o pó da terra; de maneira que se puder ser contado o pó da terra, então poderá ser contada a tua descendência" (Gn13.16);
         "Disse Deus a Abraão: Quanto a Sarai, tua mulher, não lhe chamarás mais Sarai, porém Sara será o seu nome. Abençoá-la-ei, e também dela te darei um filho; sim, abençoá-la-ei, e ela será mãe de nações; reis de povos sairão dela. Ao que se prostrou Abraão com o rosto em terra, e riu-se, e disse no seu coração: A um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará a luz Sara, que tem noventa anos?" (Gn 17.15.17);
         "E Abraão expirou, morrendo em boa velhice, velho e cheio de dias; e foi consagrado ao seu povo" (Gn 25.8).
         Para o hebreu que morresse sem deixar filhos, foi criada a já mencionada lei do levirato encontrada em Deuteronômio 25.5-10.
         O Antigo Testamento insiste no dever de gerar filhos, ou seja, na bênção divina que representa um nascimento (Cf. Gn. 13.16; 12.3b). Rico em filhos, rico em força de trabalho, prestígio social, autoridade no presente, segurança no futuro. Por isso, a suprema miséria, é não ter filhos ou propriedade. A esterilidade é um drama teológico. Segundo o Talmude da Babilônia, a esterilidade da mulher aos dez anos de casamento dava ao marido o direito do divórcio. E, no entanto, o "tema da mulher estéril" é freqüente no Antigo e no Novo Testamentos, haja vista as esposas dos patriarcas - Sara (Gn 11.30; 16.2), Rebeca (Gn 25.21) Raquel (Gn 29.13) - e também a mãe de Sansão (Jz 13.24), Ana (1 Sm 1.6), Isabel (Lc 1.7). Tão importante é a descendência que há bênçãos que atingem até a quarta geração.
         Quanto ao cristianismo, o Novo Testamento não tem textos que falem sobre planejamento familiar e/ou controle da natalidade. Na verdade, a fé na vinda do Messias mudou a perspectiva da necessidade de descendência. No judaísmo, a mulher queria filhos para ser mãe do Messias, mas no cristianismo, a doutrina era que os tempos se haviam cumprido. Então, para que prolongar a espécie humana? Para que filhos? Deu-se o contrário: a abstinência, ou como colocou André Dumas, teólogo protestante francês: "a abstinência veio por entusiasmo escatológico".
         Há no entanto, dois versículos no Novo Testamento em que é feita recomendação às esposas cristãs de terem filhos, visto que estavam demasiadamente tendentes a se libertarem da condição de mães:
         "... a mulher... salvar-se-á, todavia, dando à luz filhos..." (1 Tm 2.15);
         "Quero pois que as mais novas se casem, tenham filhos..." (1 Tm 5.14).
         A geração de filhos antes do nascimento de Jesus era uma sagrada esperança; depois depois de Cristo era dever para calar, os que acusavam os cristãos de abandonar a família e o trabalho. Nada disso, porém, ensina sobre o controle da natalidade, ou mesmo o planejamento da família, e especialmente sobre as motivações atuais.
         O Novo Testamento combate o exagero da continência (1 Co. 7.5), o menosprezo do casamento.
         "Mas o Espírito expressamente diz em tempos posteriores alguns apostarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrina de demônios,... proibindo o casamento,..." (1 Tm 4.1,3a), e exorta contra perversões (adultérios, fornicação, homossexualidade, prostituição). Nem ascetismo nem libertinagem carnal. As heresias gnósticas condenavam a procriação porque significava criar corpos materiais que eram maus e que encarcerariam as almas que eram boas.

O DESPERTAMENTO PARA O PROBLEMA
         A reforma Protestante do século XVI trouxe mudanças na compreensão cristã da sexualidade e do casamento. A ética protestante sempre foi mais favorável à natalidade por ver no casamento uma vocação religiosa preferível ao celibato. Daí porque, enquanto os católicos romanos louvam a virgindade e o celibato (veja-se o ministério religioso entre os padres, freiras, frades, eremitas), entre os evangélicos, olha-se com desconfiança o pastor não casado, a não ser que haja vocação para isso (Cf. 1 Co. 7.7; Mt. 19.12b)
         Também não há entre os evangélicos o tom sacramental que caracteriza o casamento católico romano.
         Igualmente está modificada a doutrina dos fins do casamento que ensina ser unicamente para a procriação. Afirmamos os evangélicos que a procriação acompanha e coroa a companhia mútua dos cônjuges (esse o sentido de Gênesis 2.24: 'Portanto, deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e uni-se-á à sua mulher, e serão uma só carne".
         O consenso nas Igrejas Protestantes e Evangélicas é sobre a legitimidade do controle de nascimentos sem distinguir, em princípio, entre os diversos métodos, desde que os casais o pratiquem de modo responsável e em comum acordo.
         Algumas importantes datas são:
          1910 - Lançado em Nova Iorque o movimento para o Planejamento Familiar por Margaret Sanger.
         1923 - Fundada em Londres a primeira clínica de controle da natalidade, e autorizada pela Câmara dos Lordes o ensino do mesmo nos centros comunitários da Grã-Betanha (os Welfare Centres).
        1930 - A Assembléia de Lambert da Igreja Anglicana (Epscopal) expressou o reconhecimento do conceito de limitações da família (a partir de 1930 houve consenso favorável nas esferas protestantes sobre a geração responsável de filhos).
         1958 - realização de outras Assembléias de Lambert que emitiu uma declaração instituída A Família do Dia de Hoje, que, entre outras coisas diz:
         "É preciso voltar a insistir sobre o Planejamento Familiar como resultado de uma decisão cristã pensada em oração. Assim, os maridos e mulheres cristãos não devem vacilar em oferecer humildemente sua decisão a Deus e seguí-la com clara consciência"(Cit. Dumas, p.54)
         Lambert utilizou o conceito de "paternidade responsável", evitando expressões como "controle da população", "regulação da fertilidade", "prevenção da natalidade", entre outras. A expressão "paternidade responsável" nasceu no meio protestante-evangélico, falando do papel central do casal, papel que não pertence ao estado, às Igrejas, ou a um só cônjuge.

PATERNIDADE RESPONSÁVEL
         O conceito é pertinente, autêntico, nobre e bíblico. Afinal, os pais são admoestados na Bíblia a fazer provisão para a sua família:
         "Se alguém não cuida... da sua família, tem negado a fé, e é pior que um incrédulo." (I Tm 5.8), e daí as lições:
         "Instrui o menino no caminho em que deve andar, até quando envelhecer não se desviará dele" (Pv. 22.6; cf. Dt. 6.6,7).
        Por isso, a paternidade deve ser planejada, e deve-se prover o bem-estar dos filhos financeira, acadêmica, social (através da disciplina e amor) e espiritualmente. Se não pode fazê-lo, deve considerar seriamente se está realmente honrado a Deus colocando filhos no mundo. E porque a Bíblia não fala especificamente sobre o Planejamento Familiar, deu-nos a responsabilidade de usar a inteligência, porque os casais têm problemas e sensibilidades diferentes. Não é nossa responsabilidade julgar, mas ensinar e instruir.
         São condições que o casal deve possuir para a paternidade consciente e responsável: felicidade e harmonia (espiritual, psicológica e sexual) que assegurem ambiente emocionalmente equilibrado nas relações familiares; saúde física e psíquica; disposição para uma preparação constante tanto para a paternidade quanto para a educação; capacidade de modificar psicossocialmente o pensamento para assimilar novas idéias.
         Interessante aplicação do verso cinco do Salmo 127 ("Bem-aventurado o homem que enche [de filhos] a sua aljava...") pode ser feita nos seguintes termos: a aljava (depósito de flechas) era proporcional ao tamanho e peso do portador. Assim, o pai deve colocar no mundo tantos filhos quantos possa sustentar, criar e educar adequadamente. Cada casal cristão responsavelmente dará a resposta à pergunta "quanto filhos?" que corresponda a suas possibilidades. Quem tem capacidade para cinco filhos, cinco; para dois, dois para um, um. O princípio bíblico a ser adicionado será o de Lucas 12.48a: "a quem muito é dado, muito se lhe requererá", pois que o planejamento familiar e a Paternidade Responsável levam em conta não só o número de filhos e sua educação, mas também o próprio relacionamento familiar e suas necessidades morais e religiosas. Ao casal com uma consciência bem orientada compete decidir quanto ao tamanho da família, e qual o método a ser adotado.
         Por outro lado, a Paternidade Responsável leva em consideração a qualidade de vida familiar. Ou seja, é melhor cinco filho que dez, e dois, que cinco. Não podemos, então esquecer a espiritualidade da procriação, quando o ser humano é co-criador (cf. Gn 1.26-28).
         O Planejamento Familiar deve nascer a rigor no namoro porque será sábio o casamento sem que haja temor de gravidez prematura, seja emocional ou economicamente. E visto que os meios de Planejamento Familiar são, em grande medida, questão de escolha médica e estética, desde que admissível à consciência cristã, impõe-se a formação da consciência. Quer dizer que a privação voluntária da relação sexual por parte de um dos cônjuges não pode ser aprovada porque nega as intenções do casamento; meios que interrompam ou impeçam o cumprimento do ato sexual, e assim que ele chegue ao seu apogeu, também; o aborto provocado, o feticídio, a não ser que seja imperativo para a vida da mãe e por inegável necessidade médica. O uso de método contraceptivos deve honrar o vínculo do matrimônio e enriquecê-lo moral e espiritualmente, porque o Planejamento Familiar deve ser meio de ajudar a família a encontrar seu equilíbrio.

O AMOR...
         Não haverá família de verdade senão onde reinar o amor entre marido e mulher. Por isso, Paulo ensina, "Todos os vossos atos sejam feitos com amor" (1Co 16.14 AR).
         O filho deve ser desejado, recebida com alegria, bem-vindo, pois há diferença entre controle da maternidade e o controle consciente da natalidade, caso em que são levados em consideração os valores humanos.

Fontes Primárias
1. DUMAS, André. El Control de los Nascimentos en el Pensamiento Protestante. Buenos Aires, La Aurora, 1968. Tead A F. Sosa, 191p.
2. HAVEMANN, Ernest et al. (orgs). Control de la Natalidad. Países-Baixos, Time-life, 1967. 118 p.
3. KELLY, George A. Manual do Matrimônio Católico, São Paulo, Dominus, 1963. 219 p.
4. NARRAMORE, Clyde M. A Christian View of Birth Control, 3ª impr 1961. 30 p.
5. RODRIGUES, Walter. Planejamento Familiar, 2ª ed. Rio, Departamento da Infância e Educação (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), s.d. 60 p.

 Walter Santos Baptista 

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