quarta-feira, 2 de maio de 2012

Os desafios de construir uma vida a dois

O gargalo do divórcio

Mas, apesar de tantos adeptos do casamento, nem tudo são flores. A vontade de ficar ao lado de quem se ama parece transpor todas as barreiras no início da união. No entanto, a realidade dos matrimônios no Brasil não tem sido tão florida assim. Desde que o divórcio foi instituído no país, há exatamente 30 anos, a prática da separação tem sido o principal recurso para “resolver” os problemas de relacionamento conjugal. No início, vêm os votos, o amor, a paixão, o sexo… Depois, as responsabilidades, incompatibilidades, a questão financeira e, por fim, a separação acaba minando o sonho branco de muitos casais.

 O percentual de divórcios ainda é maior do que o número das uniões no país. O número de separações judiciais cresceu 1,4% no Brasil em 2006, em relação ao ano anterior. Já o número de divórcios aumentou 7,7% no mesmo período. Ou seja, as pessoas continuam se casando, mas o ideal de “até que a morte os separe” não é mais alcançado. Parafraseando o poeta Vinicius de Moraes, em seu famoso “Soneto da Fidelidade”, o que vale na sociedade atual é a intensidade, não a longevidade da relação.

A pesquisa ainda revelou que é crescente a proporção de casamentos entre indivíduos divorciados com cônjuges solteiros. O percentual de homens divorciados que casaram com mulheres solteiras passou de 4,2% do total de casamentos realizados no país em 1996, para 6,5% em 2006. Também houve aumento do percentual de casamentos entre cônjuges divorciados: de 0,9% em 1996 para 2,2% em 2006.

Mais uma vez, os dados mostram que o casamento continua sendo perseguido mesmo entre aqueles que já viveram uma decepção conjugal. “As pessoas estão descobrindo que é impossível ser feliz sozinho. Daí a procura por valores que sempre deram certo. Aquilo que era ultrapassado está se tornando moda outra vez”, explica o pastor Silmar Coelho, casado há 31 anos e pai de quatro filhos, doutor em Teologia e Liderança pela Universidade Oral Roberts, nos Estados Unidos.

Apesar dos esforços, é consenso que o grande desafio dos casamentos atuais não está na união em si, mas na longevidade das relações. O IBGE constatou que o tempo médio de vida conjugal dos casais no Brasil é de 12 anos, e a maioria se separa quando está na casa dos dois anos de relacionamento. “Infelizmente, está havendo uma banalização do casamento como instituição divina, e isso é prejudicial para a sociedade”, acredita o pastor e terapeuta familiar Josué Gonçalves, do Ministério Família e Graça. Ele acrescenta que o problema crucial do casamento nos tempos modernos está na falta de tempo com qualidade e no “amor sacrificial”.

Segundo Gonçalves, grande parte das pessoas se casa sem nenhum preparo para viver a vida como Deus planejou para ser vivida. “Hoje, a ênfase é naquilo que é descartável, inclusive quando se trata de relacionamento. Não há profundidade no compromisso entre as pessoas. A maioria se casa sem ter a mínima noção do que significa uma “aliança”, “um pacto”. Pergunte para alguns casais de noivos por que eles estão se casando e não se assuste com as respostas. Pergunte para esses casais se eles sabem o que é uma “aliança”", afirma.

Autoconhecimento

No dia-a-dia dos matrimônios, o que se verifica é que as crises giram em torno de palavras-chave como dinheiro, comunicação, filhos, sexo, responsabilidades, embora não exista uma única fórmula que resolva todos esses problemas conjugais. Mas, antes mesmo de se casar, é preciso entender sobre si mesmo.

“A gente precisa entender qual é a raiz dos problemas. Muitas vezes, as pessoas estão casadas com o passado. Elas não se conhecem, não se entendem, não sabem qual expectativa têm com relação ao outro e cobram do outro algo que nem mesmo sabem o que é”, explica a terapeuta de casais Elizabeth Pimentel.

As questões de ordem financeira geram igualmente muitos contratempos no casamento, principalmente numa sociedade em que as mulheres também levam o sustento para casa. O dinheiro sempre foi a “causa” do sucesso ou do fracasso de muitos relacionamentos. No entanto, as dicas para enfrentar essa questão são bem razoáveis. O primeiro conselho segue a linha do bom senso. Josué Gonçalves aconselha: “É vital para o matrimônio que o homem e a mulher saibam ganhar e administrar o dinheiro. O equilíbrio financeiro contribui para o bem-estar do casal”.

Dependendo do caso, a divisão das rendas pode gerar contenda entre marido e mulher na distribuição dos pagamentos. Logo, a dica é que os dois façam um só caixa no fim do mês para pagar todas as despesas. “Não dá para dizer “meu dinheiro e sua dívida”, e, sim, “nosso dinheiro e nossa dívida”. O acordo tem de fazer parte de todas as decisões e aquisições do casal. Separar o dinheiro é o início da separação do casamento”, sentencia o pastor Sebastião Carvalho, treinador de líderes do Ministério Casados para Sempre, instituição que atua no aconselhamento para a família em 96 países há 25 anos.

Respeito às opiniões

A convivência a dois também pode encontrar travas pelo caminho. Nesses casos, o egocentrismo e a falta de diálogo são apontados como principais entraves na construção de uma boa relação. Muita gente se casa e continua com a cabeça da época de solteiro, quando tudo girava em torno dos seus interesses e, às vezes, a pessoa demora a se tornar um cônjuge. O conselho para quem vive esse impasse é aprender a dialogar com o outro e descobrir o que agrada o parceiro, “mesmo que isso signifique renunciar à sua própria vontade”, adverte Sebastião Carvalho.

Um exemplo claro desse problema aconteceu com Helenir Vieira, 48 anos, no início do seu casamento com David Reis, 54. Romântica confessa, ela esperava receber mais carinho, embora David nunca tivesse apresentado esse lado igualmente romântico. Resultado: instalou-se a primeira crise do casal. “Quando casei, imaginava um mar de rosas. Sei que cada pessoa tem natureza diferente. Mas, na época, não pensava assim. Sou melosa, gosto de ficar abraçando, e queria que ele fosse assim também. Mas o David sempre foi muito calado. Isso me causou muito impacto. Muitas vezes, me revoltava e achava que ele não gostava de mim”, conta Helenir.

Por outro lado, ele também tinha suas reclamações, principalmente quando se tratava de suas convicções, quase sempre ignoradas por ela. E David lembra: “No início, a vontade dela tinha de prevalecer o tempo todo. Ela acreditava que o seu ponto de vista era sempre o certo. Em contrapartida, minhas opiniões sempre estavam erradas. Quando ela percebeu que ambos podem pensar certo e errado, as coisas começaram a se desenvolver melhor”.

A harmonia na relação só foi possível por meio de muito diálogo e da mudança de atitude em relação às divergências e particularidades de cada um. Ambos, ao seu modo, foram abrindo mão de algumas características – e adquirindo outras – para tornar a convivência possível e agradável. Mesmo depois de 30 anos, o conflito de idéias existe, mas o respeito mútuo trouxe equilíbrio e afinidade para o casal. “Hoje em dia, vivemos mil vezes melhor do que no início do casamento. Ele, inclusive, se tornou mais carinhoso, do jeito que eu queria.”

Outro ponto nevrálgico da relação é, sem dúvida, a sexualidade. No bojo do casamento, uma série de responsabilidades e atividades pode sobrecarregar o casal. A correria diária, a chegada dos filhos ou o excesso de trabalho são alguns exemplos. No entanto, o importante é construir a sexualidade e não negligenciá-la. “O casal não pode abrir mão disso. Tem de conversar sobre o assunto. Não pode deixar que as situações tomem tanto espaço a ponto de esquecer o sexo. E deve ter tempo para namorar, para sair sozinho”, aconselha Elizabeth Pimentel.

 Noemi Vieira

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